A Porteira Está Aberta

Passe pela Porteira e seja bem-vindo ao nosso campo de lirismos, um espaço criado com o intuito de sistematizar algumas informações sobre a obra de Zila Mamede – um dos nomes mais expressivos da literatura potiguar. Para navegar com mais facilidade, escolha uma opção não seção “Temas” (verificar a barra lateral direita).


domingo, 19 de dezembro de 2010

Novidades

Em construção!

Vida e Obra


Zila da Costa Mamede nasceu em setembro de 1928 em Nova Palmeira, pequena cidade localizada no interior da Paraíba. Durante a infância, costumava passar as férias no sítio do avô, que acabou se transformando no espaço basilar para a formação cultural da autora. Ainda criança, mudou-se com a família para Currais Novos (RN), onde o pai iria trabalhar na manutenção de máquinas agrícolas. Em plena Segunda Guerra Mundial, os conhecimentos mecânicos do pai levaram-no à base aérea de Natal. Uma vez instalada na capital potiguar, Zila Mamede assumiria a cidade como o lócus poético majoritário da sua obra.
Em 1953 publica Rosa de pedra, seu primeiro volume de poesias. Nele, o sujeito e o mundo estão em constante desintegração – o que, de certa forma, assinala o etos do fragmentado homem moderno. Por isso mesmo, imagens e símbolos são utilizados para compor as cenas de uma realidade impressionista, marcada pela efemeridade e pela vertigem. O livro é levemente guiado por princípios da geração de 45, sobretudo no que diz respeito ao uso do soneto e das imagens concretas; essa filiação também justifica o caráter ambíguo da obra, que parece ter uma base fincada na tradição e outra na modernidade. Apesar de o tom retórico ter prejudicado um pouco o estilo, as belas imagens que compõem o livro são suficientes para atestar a sua alta qualidade, tanto que Manuel Bandeira chegou a considerá-lo um dos dez melhores volumes de poesia publicados no país.
A partir de então, Zila Mamede começou a conciliar a carreira literária com atividades desenvolvidas em outras áreas. Primeiro matriculou-se no curso de Biblioteconomia do Instituto de Educação; depois, foi aprovada no curso de Direito, mas abriu mão a favor de uma formação como bibliotecária. Em 1957, foi para o Rio de Janeiro fazer o Curso Superior de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional. Nessa ocasião, foi enviada à Europa pelo jornal O globo para cobrir um evento religioso.
Em 1958 publica seu segundo livro de poesias. Em Salinas ainda persiste o tom de um discurso intimista, mas já se nota certo afastamento das imagens surrealistas e do caótico universo interior que marcaram a obra antecedente. A fortuna crítica costuma vê-lo como uma obra de transição – termo perigoso, impreciso e um tanto equivocado: primeiro porque muitas mudanças operadas neste livro não tiveram continuidade no volume seguinte; depois, a posição transitória tende a minimizar o valor da obra, quando ela é na verdade, do ponto de vista estilístico e estético, um dos trabalhos mais graciosos de Zila Mamede. Em Salinas a poeta operou o refinamento da linguagem, que passa a ser mais objetiva sem, com isso, perder o encanto típico do gênero lírico. Outra importante mudança diz respeito à captação das cenas familiares e dos motivos externos, dando à obra uma dimensão social (ainda que tímida) que era quase inexistente em Rosa de pedra.
Em 1959 Zila Mamede publica O arado, obra fundamentalmente amparada na tradição do passado rural. É certo que as cenas sertanejas constituem um dos fatores responsáveis pela popularidade do livro, mas elas também mostram que Zila Mamede extraiu da própria experiência de vida o mote para a composição de seus poemas – o que, de certa forma, justifica o caráter vivo e coerente das imagens. Em algumas peças, nota-se o lastimável regresso à linguagem retórica do primeiro livro, mas não é suficiente para causar prejuízos ao estilo. É importante salientar que, apesar das muitas cenas idílicas que compõem a obra, há uma crítica social implícita nas imagens agrestes. Com efeito, ao se voltar com tamanha ênfase para a cultura e para a tradição sertaneja, O arado acaba se tornando um grito de resistência contra algumas atrocidades advindas com a modernidade; não é de estranhar, portanto, que a autora descreva de forma um tanto penosa as mudanças operadas na sociedade natalense.
Depois de O arado, Zila se voltaria com mais fervor para a carreira profissional de bibliotecária. Em 1961 foi para os Estados Unidos (Syracuse University) fazer um estágio na sua área de atuação. Em 1964 fez pós-graduação na Universidade de Brasília, ocasião em que começou o trabalho bibliográfico sobre Camara Cascudo; esteve cerca de 5 anos voltada para esse projeto e somente em 1969 veio a luz o resultado de tanto esforço: o livro Luis da Camara Cascudo: 50 anos de vida intelectual.
A próxima obra poética sairia apenas 1975, mas a verdade é que o tempo dedicado aos trabalhos bibliográficos acabou por imprimir um viés mais analítico e ordenado à sua poesia. Escrito lentamente ao longo de alguns anos (pois há manuscritos datados de 1962), Exercício da palavra é, sem dúvida alguma, o livro mais bem elaborado de Zila Mamede e denuncia uma escritora com pleno domínio de sua linguagem poética. De feitura que converge um pouco para o concretismo, o volume é um retrato da modernização por que passava a capital potiguar na época; a solidez das imagens é, portanto, uma forma condizente com o crescimento vertical da cidade. O discurso é claro, objetivo e espontâneo, o que resultou em um texto imune ao sentimentalismo piegas, muito embora ainda guarde o tom gracioso dos demais livros. Trata-se de uma obra eminentemente metalingüística, já que (mesmo quando não fala abertamente em poesia) é notório o interesse da autora em conseguir um impecável acabamento formal para seus poemas.
Embora pareça ser guiado pelo mesmo princípio estético do livro precedente, Corpo a corpo (1978) é uma súmula dos principais temas abordados pela a autora ao longo de suaq carreira como escritora; nele aparecem tanto as imagens da nova realidade concreta, quanto as cenas familiares, nordestinas e cotidianas que marcaram suas primeiras obras. É uma espécie de testamento poético e, por isso mesmo, não é de se estranhar o fato de o livro ter sido publicado como acréscimo ao volume de suas poesias completas. Apesar da agradável sensação de ordenação e síntese, falta-lhe a força que consagrou os melhores anos da carreira literária da autora.
Se Corpo a corpo pode ser encarado como um testamento poético, então A herança (derradeiro volume de poesias, escrito em 1984) é um testamento familiar. Nele, Zila Mamede dialoga com amigos e membros da família, resultando em um doce e severo lirismo confessional. Embora a proposta seja interessante e pertinente, nem de longe o livro alcança o valor estético dos demais volumes poéticos; apesar de momentos de pura realização estética, a expressividade das imagens já não é tão notória e falta-lhe mesmo o trato apurado com a linguagem.
Zila Mamede morreu em dezembro de 1985, vítima de afogamento na Praia do Forte; ao que tudo indica, a autora deve ter sofrido uma vertigem enquanto nadava naquela manhã. Pouco tempo depois sairia o livro Civil geometria, uma anotação bibliográfica sobre a obra e a fortuna crítica de João Cabral de Melo Neto – projeto já concluído pela autora, mas que vinha sendo realizado desde 1976 e que lhe tomou os derradeiros anos de vida.

Cronologia Biográfica

Em construção!

Antologia Poética

Rosa de pedra (1953)

Flor Extinta
Extinta flor azul na correnteza,
desfeita luz na face transitória
do tempo, voz perdida na memória
em traços, mudas formas de beleza.

Sob folhas de mangue acobertada,
extinta flor azul entorpecida
numa corola resta vã, sem vida,
navega na torrente, atormentada.

Distantes, já, em sombras liquefeitas
as pétalas marejam sóis, desfeitas
em mil fragmentações, gestos sem cor.

Nas brumas, morto caule inconformado
liberto foi de corpo ensangüentado,
perdido corpo azul de extinta flor.


Soneto Noturno para o Rio Capibaribe
Nos mistérios do rio me perdi,
na amargura do rio me encontrei
na sombra que beijava a flor do rio
senti minha saudade anoitecer.

O rio fez-se vento onde nasci:
sua água tem o pranto que chorei
quando o vento, pousando o leito, frio,
quis da espuma meu sangue recolher.

Sou pontes, sou granito, sou letreiros,
sou mangues, sou barcaças, sou cantigas
desenhando petróleos na torrente.

Sou rio que compõe os seus barqueiros
dos soluços da margem que, ora, antiga,
gera flores e lama, indiferente.


Salinas (1958)

Réquiem para Minha Irmã
Um montículo de areia.
Lá em baixo, uma vida que foi.

Que pensarão os olhos claros da menina,
agora?
Que cansaços infantis cuidando
e que vozes chamarão?

Esse é um campo semeado
de urzes
─ são estrelas cadentes
que a memória não precisa ainda.

Da menina plantada em terra escura
vingará um girassol azul
que os meus dedos
(se alongando, se alongando)
colherão,
para enfeitar, além,
os meus caminhos de também morrer.


Retrato
Me lembrava da menina
escavando o chão agreste,
me lembrava do menino
carregando melancias.

Em que terras desembocam
esses talos de crianças
mais finos que as maravalhas,
mais fortes que a ventania?

Dois pés descobriram casa,
multiplicaram-se em hastes
– são cabeleiras de trigo
dos moinhos de Van Gogh.

A sobra dos dois irmãos
repartiu-se entre os veleiros:
seu tronco desarvorado
virou estrelas no mar.


 O arado (1959)

Rua (Trairi)
Nos cubos desse sal que me encarcera
(pedra, silêncios, picaretas, luas,
anoitecidos braços na paisagem)
a duna antiga faz-se pavimento.

Meu chão se muda em novos alicerces,
sob as pedreiras rasgam-me meus passos;
e a velha grama (pasto de lirismos)
afolga-se nos sulcos das enxadas,

nas ânsias do caminho vertical.
Ao sono das areias abandonam-
se nesta rua vívidos fantasmas

de seus rios-meninos que descalços
apascentavam lamas e enxurradas.
Meu chão de agora: a rua está calçada.



Bois dormindo II
Os bois dormem ainda. Já cansaram
de ver que o chão em pasto não rebenta.
Do sono é que lhes vem o encantamento
pois nele o verde verdinovoaponta.

Eles abrigam (quando adormecidos)
nos olhos, o rumor, a nostalgia
das noites invernais, as correntezas
onde iam beber água de manhã;

o cheiro dos estrumes que largavam
pelas queimadas, quando rasteavam
trilha tapera transbordando chuvas

de maio. São os bois. Não os despertem.
No sono seu ruminam madrugadas
que a terra seca não lhes pode dar.



Exercício da palavra (1975)

A Ponte
Salto esculpido
sobre o vão
do espaço
em chão
de pedra e de aço
onde não
permaneço
                       – p a s s o.



Mãe
A mulher fia o filho.
No silêncio do corpo
inaugura-se: mãe.
O ventre: curvatura de sol
levantando-se
em mansidão de horizonte.
De si própria se esquece:
tecelã da rosa que já aflora
em crescimento lento
no seu sangue.


Corpo a corpo

Caieiras
Memórias há (vão e vêm)
das queimadas de caieiras:
a vida deslembra a gente
da vida que não se tem.
Fumaça assobe na frente
labareda vem depois.
Tijolo e telha cobrindo
a querência de nós dois.

Viola bem assentada
no florir dos cajueiros,
alpercatas batucando
o chão do chão do barreiro,
as mulatas ressurgindo
com seus dengues noveneiros,
as comadres se benzendo
frente ao santo milagreiro.

Aluás somem dos potes,
fogem em risos de tropeiros,
nas prendas dos namorados,
no aboio dos vaqueiros,
na presença do Senhor
da Casa-Grande – o festeiro,
no fogaral projetando
seu calor pelo terreiro.

Caieiras milavoengas,
tijolos: encantação
de caminhos não batidos,
de telha embicada vã,
dos pedregais dos açudes
(sem água), de solidão:
o tempo resumiu tudo
em vida-palavra-chã.


A herança


VII
E tu, menina
testamenteira,
onde o plantio
da sementeira?

Me sucedeste,
filha, és fiel
à tua herança
em letra e essência?

É o teu projeto
(brado e tropel,
cifra e poesia)
pétrea alquimia?

Da hereditária
suserania
te concedi
sol(o), sal, grão.


Exercícios de poesia

Encontro
Busquei a paz
No cimo das montanhas

No brilho das estrelas
Em toda a Natureza
E não a encontrei
Porque ela já estava
Em mim mesma.
Encontrei a Paz
No meu próprio coração.


Poema nº 8
Tempestades sombrias
Varreram as folhas
Da árvore da minha vida
Que ficou desnuda e só.
Quando o inverno passe
Se o sol começa a brilhar
Uma seiva nova
Há que circular em mim
Para o nascer de outros ramos
E o despontar de novas folhas
Que já não hão de ser
Arrebatadas
Por tempestades sombrias.

Bibliografia

POESIA

Rosa de Pedra (1953)
Poemas:

Salinas (1958)
Poemas:

O Arado (1959)
Poemas:

Exercício da Palavra (1975)
Poemas:

Corpo a Corpo (1978)
Poemas:

A Herança (1984)
Poemas:

Exercícios de Poesia (2009)
Poemas:


REUNIÃO

Navegos (1999)

Navegos / A Herança (2003)


PESQUISA

Luis da Camara Cascudo: 50 Anos de Vida Intelectual - Volumes 1 e 2 (1970)


Civil Geometria (1987)

Livro / Capítulos de Livro

Em construção!

Revistas Acadêmicas

PINHEIRO, André. O nascimento de uma nova cidade: aspectos da condição urbana na poesia de Zila Mamede. In.: Revista Odisseia - nº 4 (jul/dez). Natal: EDUFRN, 2009.

__________. O espaço como resistência na poesia de Zila Mamede. In.: Revista Imburana - nº 2 (nov). Natal: EDUFRN, 2010.